BALANÇO POLÍTICO E CONTINUIDADE DA AÇÃO PRONERA 10 ANOS DE RESISTÊNCIA

 

PRONERA BAHIA

Salvador-BA

Abril de 2009.

 

 

BALANÇO POLÍTICO E CONTINUIDADE DA AÇÃO

PRONERA 10 ANOS DE RESISTENCIA

 

UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE

 

Celi Zulke Taffarel – Professora Dra. Titular FACED/UFBA. Membro Colegiado PRONERA BAHIA.

Cláudio de Lira Santos Júnior – Professor Dr. FACED/UFBA. Membro suplente Colegiado PRONERA BAHIA.

 

Seguindo a linha política retirada do III SEMINÁRIO NACIONAL DO PRONERA, ocorrido em Luziânia/GO, de 2 a 5 de outubro de 2007, também nós da BAHIA estamos apresentando nosso balanço político dos 10 anos do PRONERA e defendendo a continuidade das ações deste que é um programa que se situa no marco da reforma agrária e contribui para o desenvolvimento da educação do campo.

O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), tem como objetivo geral fortalecer a educação nas áreas de Reforma Agrária estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável. Nos seus objetivos específicos, se propõe a garantir a alfabetização e educação fundamental de jovens e adultos acampados (as) e/ou assentados (as) nas áreas de reforma Agrária; garantir a escolaridade e a formação de educadores (as) para atuar na promoção da educação nas áreas de reforma Agrária; garantir formação continuada e escolaridade média e superior aos educadores (as) de jovens e adultos – EJA e do ensino fundamental e médio nas áreas de reforma Agrária; garantir aos assentados (as) escolaridade/formação profissional, técnico-profissional de nível médio e superior em diversas áreas do conhecimento; organizar, produzir e editar materiais didático-pedagógicos necessários à execução do programa e promover e realizar encontros, seminários, estudos e pesquisas em âmbito regional, nacional e internacional que fortaleçam a Educação do Campo.

O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA foi instituído em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria n. º 10/98, do então Ministério Extraordinário da Política Fundiária. De 1998 a 2002, foi responsável pela escolarização e formação de 122.915 trabalhadores (as) rurais assentados (as). De 2003 a 2006, promoveu acesso à escolarização e formação para 247.249 jovens e adultos assentados e capacitou 1.016 profissionais egressos dos cursos de ciências agrárias para atuarem na assistência técnica, social e ambiental junto aos assentamentos de Reforma Agrária e Agricultura Familiar. Atualmente, mais de 60 mil jovens e adultos das áreas de Reforma Agrária participam dos Cursos do PRONERA nos diversos níveis, sendo: Educação de Jovens e Adultos: 28.574 trabalhadores/as em 23 Projetos/convênios; Nível Médio Técnico são 2.874 trabalhadores/as em 65 projetos/convênios e no Nível Superior são 5.194 trabalhadores/as em 36 projetos/convênios, envolvendo parceria com mais de 30 universidades públicas, além de CEFET´s, Escolas Família-Agrícola, Institutos de Educação e Secretarias Estaduais e Municipais de Educação.

Apesar dos esforços, muito ainda há para ser realizado. Os dados da educação do campo, em especial na Bahia, por exemplo, continuam alarmantes. Constatamos que, embora sejam visíveis os avanços na instituição de políticas de Educação do Campo nos últimos anos no Brasil, seus índices, tanto em termos próprios quanto em termos relativos aos da educação no meio urbano, são ainda desafiadores. É, por exemplo, incômodo ou injusto que a taxa de analfabetismo seja, ainda, de 25,8% no meio rural, frente a 8,7% no meio urbano; que a média de anos de escolarização de 3,6 anos, frente a 7,3 anos para o meio urbano; que a taxa de distorção idade-série nos anos iniciais do Ensino Fundamental seja de 41,4%, frente a 19,2% nas áreas urbanas; que o perfil dos professores revele que, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, apenas 43,1% tenham ensino médio completo e 21,6% superior completo, frente a 75% e 56,4%, respectivamente, para o meio urbano, e que, para 5ª a 8ª séries, apenas 53,1,% dos professores do campo tenham formação superior completa, frente a 87,5% para o meio urbano.

Portanto, a educação do campo é um dos grandes desafios educacionais do Brasil que está articulado com a questão agrária e com a reforma agrária. O II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) terminou em 2007 e se faz necessário o balanço e a continuidade do Plano em sua III Versão que deve avançar, visto os limites da implementação do II PNRA. O II PNRA tinha como meta número 1 implantar em cinco anos 550 mil novos assentamentos e; número 2, regularizar 500 mil posses. Além, é óbvio, da meta 3, relativa ao Programa Nacional de Crédito Fundiário (ex-Banco da Terra do Banco Mundial), que previa assentar mais 150 mil famílias, e da meta 7, que previa reconhecer, demarcar e titular as áreas das comunidades remanescentes de quilombo1Quando se observam os dados relativos as 163 mil famílias de fato assentadas pela reforma agrária, verifica-se que, em termos regionais a distribuição do percentual de cumprimento de metas foi a seguinte: a região Norte cumpriu 19%, Nordeste, 43%, Centro-Oeste, 31%, Sudeste, 20% e Sul, 19%. Há estados que inclusive cumpriram índices baixíssimos, como, por exemplo, o Rio Grande do Sul, que atingiu apenas 15% das metas; Rio de Janeiro, 16%; Sergipe, 18%; Santa Catarina, 19%; Minas Gerais, 20%; Paraná, 21%; Espírito Santo e São Paulo, 22%; Mato Grosso, 23% etc. Entre as unidades que cumpriram mais da metade das metas, estão apenas o Maranhão, que alcançou 54%; o Piauí, 58%; e a superintendência do médio São Francisco, 71%. Portanto, verifica-se, através destes dados, que estamos com sérias dificuldades de garantir a base estruturante de uma política global na qual estivesse inserida a educação do campo. É necessário o reforço e a defesa da educação do campo enquanto base fundamental para a reforma agrária. A contradição posta no campo brasileiro está expulsando os agricultores do campo e os empurrando para as favelas, fatos que não podemos esquecer. Existem projetos antagônicos para o campo brasileiro e frente a isto as populações do campo buscam encontrar no próprio campo, e não no meio urbano suas condições de vida digna. Isto significa que as políticas públicas sociais devem chegar ao campo, entre as quais a política educacional e a política agrária.

Nos 10 anos do PRONERA é necessário reconhecer que este foi um dos poucos programas que enfrentou a questão educacional em áreas de reforma agrária. Com muitas dificuldades sim, decorrentes da falta de financiamento, do excesso de burocratização, falta de pessoal técnico especializado, despreparo administrativo. Temos que reconhecer que o PRONERA é uma referência para a educação do campo em âmbito nacional e para o fortalecimento da educação pública brasileira, e em especial para o Estado da Bahia.

Pelos resultados positivos, apesar dos limites determinados historicamente, o Incra deve assumir o PRONERA como uma política de Reforma Agrária assim como a Reforma Agrária é uma política de desenvolvimento social que tem na Educação do Campo um dos seus pilares centrais.

Para que o PRONERA prossiga na linha da resistência cumprindo seu papel fundamental conforme expresso nos seus objetivos e, constatado na materialidade dos projetos, se faz imprescindível transformar as relação entre as instituições, principalmente entre o INCRA e movimentos sociais e as universidades, as secretarias de estado, as prefeituras e demais envolvidos nas ações. A secretaria de Educação deve aderir, juntamente com as demais secretarias de Estado à proposta de Educação do Campo, ampliando a gestão inteligente e racional por parte destas no que diz respeito à compreensão do papel de cada secretaria, do papel do esforço unificado e de conjunto que se faz necessário empreender. Reconhecemos a necessidade de dar maior visibilidade e aportar recursos mais significativos para atender as demandas colocadas para a Educação do Campo via PRONERA. Defendemos que os movimentos sociais de luta no campo assumam a universidade como um espaço de ocupação e de produção de conhecimento, articulada com uma política social de desenvolvimento no campo, como é a reforma agrária. A Educação do Campo necessita, sim, demarcar suas conquistas nos espaços institucionais, no INCRA e nas Universidades que buscam ampliar o diálogo com as especificidades que o campo requer em relação ao processo educacional de ensino e de aprendizagem. É necessário potencializar este patrimônio acumulado pela resistência e pelas reivindicações na Educação do Campo. É preciso potencializar a capacidade dos Fóruns de Educação, Comitês, entre outras formas de organização da sociedade que lutam e defendem a Educação do Campo enquanto um elemento estruturante da reforma Agrária. É preciso fortalecer nas discussões e encaminhamentos as táticas e estratégias para garantir esta política pública social no campo, a reforma agrária e dentro dela a Educação do Campo.

Por fim, admitimos que o PRONERA suscita um reordenamento na própria universidade que tem apresentado avanços, inclusive para a reformulação dos Projetos Pedagógicos dos cursos, reorientando concepções teórico-metodológicas, matrizes curriculares das universidades. O PRONERA tem posto em questão as experiências da universidade no seu tripé ensino, pesquisa e extensão, potencializando orientações no comportamento intelectual do professor universitário que se vê desafiado a enfrentar questões não apenas de ensino, pesquisa e extensão, mas também a enfrentar as questões colocadas a sociedade em geral, como é a questão da reforma agrária. Podemos observar nas universidades que são criados Grupos de pesquisa, implementados eventos nacionais e internacionais sobre Educação do Campo, ampliado o espectro das pesquisas com temáticas voltadas para a questão agrária, educação, saúde, agroecologia, cooperativismo, entre outros. Estão sendo criados currículos que garantem novas formações em agroecologia, agroindústria, entre outros; Podem ser observados ainda o enriquecimento do processo de formação dos estudantes universitários favorecendo o contato com a realidade do campo. Renovam-se os espaços e os temas de discussão sobre a luta pela terra, a luta pela educação pública, a luta pelo socialismo.

O PRONERA vem contribuindo com a possibilidade de criação de uma nova área acadêmica - Educação do Campo - nas instituições universitárias, bem como, nas organizações acadêmicas e órgãos financiadores. Contribui, assim, para a ruptura da extensão universitária como mera prestação de serviços.

Reconhecemos, também, que os sujeitos do campo encontram no PRONERA - que deve continuar, sim, suas ações -, ampliação de oportunidades de acesso à Educação Superior com a criação de espaço de diálogos efetivos entre a universidade e os sujeitos do campo, na gestão da escola, de projetos, construindo nesses diálogos referências para a construção do currículo escolar.

O significado da pratica educativa do campo via PRONERA tem implicado em inovações metodológicas a partir da vivência dos sujeitos do campo como espaço de construção do conhecimento, articulando ensino e pesquisa, como possibilidades de melhor intervenção crítica na realidade. Também nós da Bahia, observamos que o processo de letramento dos sujeitos se amplia na sua forma qualitativa e quantitativa, possibilitando aos sujeitos a compreensão e a construção de um modelo de agricultura que não se coaduna com o modelo de agricultura empresarial, com o agronegócio. Trata-se da agroecologia, da agricultura familiar, da agricultura campesina. O PRONERA tem desenvolvido currículos a partir de metodologias que se pautam pela pedagogia da alternância, possibilitando a busca de estratégias diferenciadas na prática da pesquisa e da extensão e da intervenção na realidade por parte dos alunos.

É inegável que o PRONERA contribuiu e deve continuar contribuindo com a construção de políticas públicas de expansão e acesso à educação no campo, enquanto uma política de Estado e não somente uma política de governo, até consolidarmos a reforma agrária massiva, redistributiva, nas mãos da classe trabalhadora. O PRONERA aponta para a expansão da educação para a totalidade dos sujeitos do campo, inclusive para outras categorias além dos assentados, assegurando em parceria com o MEC a construção de uma rede de escolas, os equipamentos e os recursos necessários ao seu funcionamento.

Ao construir estratégias político-institucionais entre o MEC e MDA/INCRA em articulação com outros ministérios definem-se papéis, ações e políticas que podem assegurar aos sujeitos do campo, o acesso e à permanência com qualidade nas áreas de Reforma Agrária. Portanto, construir estratégias políticas entre o MEC e MDA/INCRA, entre o estado e os municípios, entre os organismos de governo, o movimento de luta social no campo e as universidades para garantir o envolvimento e comprometimento dos estados e municípios com a Educação do Campo nas áreas de Reforma Agrária (infra-estrutura; formação de professores; gestão; merenda escolar; erradicação da exploração do trabalho infantil, entre outros) é vital para as populações do campo. Cabe, portanto, a todos nós e em especial ao INCRA, construir mecanismos e fundamentos de fortalecimento e defesa do PRONERA, para atender efetivamente ao sujeito do campo, levando em consideração questões jurídicas, financeiras, de comunicação e pedagógicas. Devemos superar os problemas da descontinuidade dos projetos por meio de atitudes comprometidas com a desburocratização, pela não interrupção de recursos e agilidade na liberação das parcelas previstas nos planos de trabalho contemplada na legislação de convênios e nas instruções normativas artigos relativos às especificidades da educação. Devem ser instituídas ações concretas que explicitem o compromisso do governo pelo não contingenciamento dos recursos destinados à educação na Reforma Agrária.

Buscamos, assim, através de uma ação concreta do Colegiado do PRONERA BAHIA ampliar a articulação entre os movimentos de luta social no campo, os sindicais e demais organizações do campesinato na luta pela reforma agrária e pelo direito à educação. Com isto, buscamos fortalecer as escolas do campo, os projetos de educação do campo, as ações voltadas para garantir o acesso e a permanência dos educandos na escola, como transporte escolar, infra-estrutura escolar (bibliotecas, equipamentos, laboratórios de informática), ciranda infantil, atendimento de saúde e a realização de concursos públicos que contemplem a contratação de educadores do campo na rede pública escolar e universidades. Com isto, fortalecem-se as escolas do campo, com formação continuada e qualificação docente, infra-estrutura, currículos e metodologias adequadas à realidade local, com garantia de financiamento, enfim de bom funcionamento dos projetos, evitando a evasão dos educandos e a rotatividade dos educadores.

Desde 2008, e de acordo com as Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas escolas do Campo, através de ações concretas do PRONERA BAHIA, estamos lutando, por dentro do Colegiado do PRONERA BAHIA, para que se garanta a participação dos movimentos de luta social do campo nos conselhos e colegiados das escolas, lutando pelo controle do FUNDEB, nos estados e municípios, cabendo aos Comitês Estaduais de Educação do Campo viabilizar e apoiar essa participação. Estamos continuando a luta para alterar a LDB, os Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação, incluindo a temática da Educação do Campo e suas necessidades.

Estamos nos posicionando em defesa do PRONERA, contra a sua extinção, contra o seu esvaziamento paulatino, através de cortes de recursos e projetos. Defendemos o PRONERA, como foco de resistência da Reforma Agrária. Buscamos, portanto, o apoio de fóruns locais, nacionais e regionais, de governantes e de organizações não-governamentais, instituições e órgãos de governo (CRUB, UNDIME, CONSED, ANFOPE, ANDES, FORUMDIR, CNPq, CAPES, MEC/SESU/SECAD), de sindicatos e movimentos sociais de luta da cidade e do campo, para garantir a continuidade das ações do PRONERA visando consolidar, aprimorar e aperfeiçoar o Programa que atende a classe trabalhadora do campo.

 

1 http://www.mda.gov.br/arquivos/PNRA_2004.pdf acessado em 17/12/2008 às 09:30 hs.